sábado, 27 de março de 2010

Fora do ninho, cada vez mais cedo.

Por Lucas C. Silva

Logo pela manhã, sua mãe vem te acordar. Ainda morrendo de sono, senta-se à mesa, onde um café da manhã está pronto. Na gaveta, roupas lavadas e passadas. Em muitos casos, ao chegar casa, sua cama está arrumada e seu prato de comida está te esperando, quente. Todo esse conforto é trocado por muitos jovens, inclusive antes de completarem a maioridade, pela vida de independente em repúblicas, casas de primos ou próprias mesmo. Estes é o caso de José Carlos e Bruna, pessoas de gerações diferentes que tem em comum o fato de terem deixado a cidade, e até mesmo o estado, dos pais em busca de um futuro melhor.

Em 1984, José Carlos da Silva, então com 19 anos, deixou a pequena cidade mineira de Carmo do Cajuru, localizada a 100 quilômetros a oeste de Belo Horizonte, indo para São Paulo. Em busca de um emprego melhor, o rapaz partiu para a maior cidade brasileira, assim como outros inúmeros jovens do interior do país.

Formado num curso profissionalizante de eletrônica e com a experiência de alguns anos consertando televisões e rádios, José Carlos partiu para São Paulo nos últimos meses de 1984. “Decidi ir para São Paulo por ter as melhores oportunidades de emprego.” Lembraria quase 36 anos depois. Na capital paulista, José Carlos procurou trabalho por dois meses, período este que ficou hospedado na casa de seu irmão mais velho, Vander.

Após o período de entrevistas, o rapaz voltou à casa dos pais no interior de Minas Gerais. Então, no início de 1985, recebeu a notícia de que conseguira o emprego de técnico de eletrônica no setor de telecomunicações da Varig, na época uma das maiores empresas aéreas do mundo. Com um bom emprego garantido, José Carlos, prestes a completar 20 anos, deixou definitivamente a casa dos pais.

Apesar do bom salário, que lhe permitia alugar um apartamento na região de Santana, Zona Norte de São Paulo, José Carlos encarou alguns desafios. Sem saber cozinhar direito, comia sempre fora, porém lavava e passava a própria roupa. Um dos aspectos que mais estranhou na capital foi o preconceito dos paulistas contra as pessoas que vinham de fora. “Os paulistas sempre nos tratavam muito mal.” Reclama ainda hoje, sete anos após ter deixado a cidade. “Uma das coisas que eu mais ouvia era que nós, migrantes, tomávamos o emprego deles.” Completa.

Apesar do preconceito, o maior problema que José Carlos enfrentava era justamente a saudade de casa. “Eu sentia muita falta da família, da minha casa antiga e de Cajuru.” Quando a saudade apertava, José Carlos resistia até o fim de semana e viajava 520 quilômetros, para visitar a cidade natal. Mas não foi apenas os pais e amigos que ele deixou em Carmo do Cajuru. Sua namorada, Ângela, morava na cidade, porém a saudade durou pouco.

Seis meses após sair de Minas Gerais, José Carlos casou-se com Ângela. “Depois que ela foi para São Paulo, tudo ficou mais fácil. Agora eu tinha uma companhia.” Disse. Casada com ele até hoje, Ângela se lembra da época: “Fui para São Paulo aos 22 anos. No início foi difícil, porque nunca tinha morado longe dos meus pais. Depois me acostumei e tudo ficou muito melhor.”

Estabelecida em São Paulo, a família cresceu. Em 1989 nasceu o primeiro filho do casal, Lucas e 2 anos depois, nasceu o caçula, Felipe. Ambos mineiros, porém criados em São Paulo, onde a família viveu até 2003, quando teve de se mudar para o Rio de Janeiro. Hoje, relembrando sua luta, José Carlos não se arrepende do que fez. “Se eu conseguisse um bom emprego, faria hoje tudo de novo.” e complementa “não acho que as coisas tenham mudado dos anos 80 até hoje. O jovem que sai de casa hoje vai enfrentar as mesmas dificuldades que enfrentei quando saí.”

Bruna Acácio deixou a casa dos pais ainda mais cedo. Aos 15 anos foi admitida no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa, Coluni, sendo obrigada a viver longe dos pais em Conselheiro Lafaiete, a 96 quilômetros ao sul de Belo Horizonte. Ao se formar no Coluni, um novo desafio. Admitida em quatro universidades federais, a estudante de Comunicação Social percebeu que sua vida como independente continuaria durando por mais algum tempo. Talvez sendo preciso se mudar para outro estado.

Antes mesmo de ir a Viçosa, cidade mineira localizada a 230 quilômetros a sudeste de Belo Horizonte, Bruna já havia morado um tempo longe dos pais. Quando cursava a sétima série, foi morar com os pais na casa de sua avó em Piranga, entre Conselheiro Lafaiete e Viçosa. “Meu pai é nômade, parece que gosta de se mudar.” Diz a garota que ainda viveu um tempo com os pais em Alfenas. Os pais nômades voltaram à Lafaiete e a garota ficou morando na casa da avó até completar o ano letivo.

Bruna, aos 15 anos, viajou com o pai a Viçosa para fazer as provas de admissão no Coluni. “Escolhi o Coluni por ser uma escola referência na região.” Disse a garota. Mais do que regional, o colégio é referência nacional, visto que nos últimos anos esteve sempre entre os 10 melhores colégios do país, de acordo com avaliações do Ministério da Educação. Admitida, surgiu o primeiro desafio para Bruna, encontrar um local para ficar.

“Foi meio complicado. Não pela disponibilidade, mas porque queria um lugar bacana, com pessoas confiáveis e por um bom preço.” Lembra. Depois de alguma procura, Bruna encontrou um local que atendia às suas expectativas. Na verdade, ela que foi encontrada: “No dia da inscrição no Coluni, a mãe da Júlia e da Ana, que dividiram apartamento comigo nos três anos do ensino médio, me perguntou se eu queria dividir um quarto.”

Bruna não as conhecia pessoalmente, apenas havia falado com uma das garotas via internet. Chegou no quarto de uma república próxima ao Coluni e, após conversar rapidamente com elas, o negócio foi fechado. “Foi um tiro no escuro. E acho que nunca mais acertarei outro tiro tão bem quanto dessa vez.” Com todos satisfeitos, especialmente Carlos, o pai de Bruna que preferia que sua filha tivesse como companheiras de quarto duas meninas de família a universitários desconhecidos, a garota arrumou suas malas e partiu para Viçosa.

O período em que Bruna dividiu o apartamento com Júlia e Ana foi, nas palavras da garota, uma época de grande crescimento pessoal. Pela primeira vez na vida, Bruna tomava as próprias decisões, além de ter aprendido a ser mais solidária com os amigos: “como a família está longe, precisamos de algum apoio, algum carinho e até de alguém para brigar, afinal cedo ou tarde, despimos nossas máscaras.” Neste período, assim como no caso de José Carlos, os pais de Bruna raramente iam visitá-la em Viçosa. Ela, pelo contrário, voltava à Conselheiro Lafaiete periodicamente, primeiro a cada duas semanas, depois a cada três. “As vezes me pergunto se fiz certo ao sair de casa tão cedo. Será que não aproveitei satisfatoriamente o dia-a-dia com minha família? É claro que sempre teremos uma relação e um vínculo, entretanto a rotina familiar é outra coisa.” Comenta Bruna, cujos irmãos mais velhos, Carla e Bruno, vivem em Ouro Preto e Quissamã, Região dos Lagos no Rio de Janeiro, respectivamente.

Chegar em Viçosa foi complicado para Bruna: “no início é muito difícil se adaptar à saudade de casa, dos velhos amigos e namorado, mas aos poucos você estabelece vínculos na nova cidade e as coisas ficam mais fáceis.” Adaptada à cidade e com grandes amigos feitos, chegou o terceiro ano do Ensino Médio e com ele todos os desafios do vestibular. A garota fez a prova para quatro universidades federais: Juiz de Fora, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Viçosa e foi aprovada em todas, no curso de Comunicação Social. Em dúvida entre as federais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que possuíam os melhores cursos, Bruna sabia que não voltaria à casa dos pais, porém teria de deixar Viçosa. “Ao mesmo tempo que queria que toda aquela relação construída ao longo dos três anos no Coluni continuasse, tinha plena noção de que a vida tinha de continuar e meu futuro não estava em Viçosa.”

Mais adaptada à vida longe da casa dos pais, surgiu outro desafio à garota. Dissuadida de estudar em Viçosa ou Juiz de Fora, a garota teve de se decidir entre Belo Horizonte e o Rio de Janeiro. “A UFRJ tem uma cotação melhor que a UFMG em provas como o Enade, mas em Belo Horizonte eu estaria mais perto da minha família e sairia mais barato.” Disse. Entre o período de aprovação nos vestibulares e o início das aulas, foi um período de angústia e muita dúvida para a garota.

Apesar do curso mais bem conceituado, o Rio de Janeiro apresentava algumas dificuldades. Além da distância maior da família, Bruna não conseguia encontrar um apartamento “Os que estavam disponíveis, só o aluguel ia sair a 600 reais. Eu teria de viver às custas do aperto dos meus pais, sem poder fazer um curso de línguas e indo ao cinema com os amigos a cada dois meses.” Em Belo Horizonte, ao contrário, suas primas Aline e Patrícia moravam nas proximidades da universidade e lhe ofereciam uma vaga. “Depois refleti melhor. Como assim eu estava dispensando uma universidade maravilhosa (referindo-se UFMG) do lado de casa, e a oportunidade de morar com minha prima que é minha melhor amiga de infância? Além disso, pensei ‘estou assistindo a muitas novelas de Manuel Carlos, pensando que terei uma vida de Leblon’.” brinca.

Há um pouco mais de um ano morando com as primas, Bruna, hoje com 20 anos, diz estar gostando muito de dividir o apartamento com elas, até porque as três se relacionam bem. “As vantagens de se morar com as primas é que elas te conhecem. As desvantagens é que elas te conhecem.” Brinca. “Mas agora terei um novo desafio: encontrar uma colega para dividir um apartamento.” Sua prima, Patrícia, está de casamento marcado e terá de ir embora, deixando Bruna sozinha. Numa inversão de papéis, a garota não está procurando por algum lugar para ficar, mas por alguém que divida apartamento.

Ao contrário de José Carlos, que se dedicava totalmente a um emprego que lhe permitia pagar um aluguel próprio, Bruna possui um horário irregular na UFMG, cursando matérias nos períodos da manhã, tarde e noite, sendo obrigada a depender financeiramente dos pais. Por isso, terá de dividir o apartamento com alguém. “Amo o lugar que moro, amo morar com minhas primas e tenho ótimos vizinhos e pago aluguel barato. Não consigo nem cogitar atualmente ter um apartamento próprio.” Assim, vencendo um desafio após o outro, Bruna vai avançando em sua jornada, longe da casa dos pais.

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