domingo, 28 de março de 2010

Só fechamos sábado e domingo, para tomar nossa cervejinha.

Texto e fotos de Lucas C. Silva

Localizado na divisa entre Botafogo e Urca, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o Campus da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro recebe milhares de pessoas todos os dias. Além da Universidade e suas unidades anexas, como os Centros de Psiquiatria e Neurologia, o campus abriga o Hospital Philipe Pinel, a casa de shows Canecão e a Casa da Ciência além de estar localizado próximo de shoppings, praias e outras universidades. Esta posição estratégica atrai diariamente milhares de pessoas, entre alunos, funcionários, professores, pacientes e transeuntes. Muitas delas acabam se alimentando no próprio campus, especialmente no Sujinho.

Vista geral do Sujinho

Principal área de alimentação do campus, o Sujinho recebe diariamente centenas de visitas. Localizado próximo à saída da rua Lauro Müller, é passagem obrigatória para quem quer cortar caminho entre a Avenida Pasteur e a região do Shopping Rio Sul. Todos os dias, especialmente entre as 11 e as 14 horas, centenas de pessoas disputam uma mesa – e à sombra, de preferência – na praça de alimentação. Tendo como opções o Restaurante do Seu Manuel, os traileres de lanches de Margarida e de Soraia e Júlio, as pessoas fazem do Sujinho uma das principais opções de alimentação da região. O que poucos sabem é que a atividade começa muito cedo.

5:30 da madrugada. Enquanto muitos alunos e funcionários ainda dormem, e antes mesmo de a luz do sol iluminar o Sujinho, as luzes do Restaurante do Seu Manuel estão acesas. Na cozinha, Bigode, como é conhecido o cozinheiro José Ribamar Rodrigues já começa a separar o feijão e a preparar tudo para cozinhar para as centenas de pessoas que almoçam ali todos os dias. Entre 6:40h e 7:00h, André Luiz Villaverde, auxiliar de Bigode, chega e inicia a preparação do café da manhã servido pelo restaurante a partir das 7:00h.

Bigode nasceu em Quixeramobim, na região central do Ceará, e se mudou para o Rio de Janeiro há 39 anos. Já passou por vários restaurantes antes de chegar ao do Seu Manuel, onde trabalha há mais de 10 anos. “Fico aqui porque a casa é boa!” Diz enquanto prepara a cozinha para mais um dia de trabalho. André Luiz é carioca da Vila da Penha. Começou a trabalhar no restaurante em 1996 e ficou ali até 2001, quando foi trabalhar numa locadora de filmes. Retornou em 2007 e continua na cozinha até hoje. “Voltei porque aqui pagam melhor e no dia certo. Não atrasa.” Comenta. A dupla começa cedo e na hora do pico chega a servir um prato a cada dois minutos. E não são poucos. Diariamente, são servidos cerca de cem pratos feitos, considerando que muitos deles são porções para duas pessoas. O mais pedido é o arroz, feijão, frango grelhado e fritas. Nas férias escolares a média cai para 40 pratos. “Nós só fechamos sábado e domingo, quando vamos para a praia tomar nossa cervejinha, que é de lei!” Comenta Seu Manuel com um sorriso.

Seu Manuel vive no Rio de Janeiro há 42 anos. Vindo de Itaocara, cidadezinha localizada às margens do Rio Paraíba do Sul, próximo da divisa com Minas Gerais, chegou ao restaurante da Faculdade de Economia em 1968, ainda como empregado. Em 1973, estabeleceu-se como proprietário do restaurante, iniciando uma carreira que dura até hoje. “Essa cantina surgiu de repente para mim. O antigo dono saiu, não sei como, mas sei que me trouxeram para cá e estou aqui até hoje.”

Nestes 37 anos, apesar de não se lembrar de algo de muito incomum que tenha acontecido em seu restaurante, Seu Manuel recorda de alguns clientes especiais que teve. “O mais conhecido deles foi o Bussunda.” O comediante, morto de ataque cardíaco durante a Copa do Mundo de 2006, orgulhava-se por ter passado em penúltimo lugar na Escola de Comunicação da UFRJ e era um cliente costumeiro do restaurante. “Durante todo período que estudou aqui, ele sempre vinha, almoçava, fazia lanche.” Quando perguntado sobre a personalidade do futuro Casseta, Seu Manuel revela, Bussunda era um aluno normal, até sério.

Além do comediante, outro cliente especial para Seu Manuel foi seu filho, Leandro, que também estudou Comunicação Social no Campus, porém mais recentemente, nos anos 90. “Ele vinha, fazia filmagem, entrevista, assim como você está fazendo.” Comenta o dono do restaurante. Depois de formado, Leandro ainda cursou Administração, mas acabou trabalhando em outra área, por falta de emprego.

Restaurante do Seu Manuel

A equipe do Restaurante do Seu Manuel é composta por 6 homens. Sebastião Gomes, o Tião, é o mais experiente do grupo, está no Sujinho há 25 anos, pouco depois de chegar também de Itaocara. Antes de ir para a UFRJ, trabalhou rapidamente numa cantina no Instituto Benjamin Constant. Todos os dias chega ainda pela manhã, e logo começa a preparar o restaurante para receber os clientes que passarão ali. Entre os que já passaram, Tião lembra de vários que acabaram se tornando conhecidos. “Houve vários economistas famosos que passaram por aqui, mas não lembro o nome. Da Comunicação tem o Wladimir Neto, do Jornal da Globo que se formou aqui. Serginho França, editor de revista famoso também passou por aqui. O Bussunda eu cheguei a encontrar aqui, mas quando cheguei ele estava se formando.” Além dos famosos, Tião conhece várias histórias engraçadas, como a do aluno de Comunicação que recolheu o dinheiro dos amigos para comprar cerveja e foi embora, sem dar satisfação a ninguém. Além de Tião, o restaurante conta com outros funcionários queridos dos alunos, como Ismael, Romarinho e o mais novo da casa, Josias. Este último, há apenas três semanas no restaurante, trabalhava como jardineiro no Campus da Praia Vermelha e, ao saber que surgiu uma vaga como garçom, fez a tentativa, bem sucedida.

O Restaurante do Seu Manuel é o ponto mais procurado por quem passa pelo Sujinho, mas não é o único. Entre as 11 e as 14 horas, no horário de pico, enquanto muitas pessoas disputam as mesas e as raras sombras do lugar, Júlio, Soraia e Margarida fazem sanduíches a poucos metros do Restaurante. Margarida foi a primeira a se instalar no Campus, ainda nos anos 80. Seu filho, Júlio e Soraia chegaram nos anos 90.

Margarida foi a primeira, entre os donos de traileres do Sujinho, a chegar na Praia Vermelha, ainda em 1987. Seu trailer ficava próximo à Faculdade de Educação, ao lado da piscina do campus. Antes de chegar ao Sujinho nos anos 90, seu trailer ainda foi transferido para perto do Instituto Philippe Pinel. Na época, a antiga dona não podia mais trabalhar e a convidou para ser sua auxiliar. Aquele era seu primeiro emprego, uma vez que o marido não permitia que Margarida trabalhasse. Depois de um ano trabalhando com uma amiga, Margarida assumiu o trailer sozinha. Por algum tempo, esteve trabalhando com alguns ajudantes, porém sem sucesso. Então, no começo dos anos 90, Margarida receberia uma ajuda que a acompanha até hoje. Seu filho, Júlio.

Júlio começou trabalhando com sua mãe, ao concluir o primeiro grau. Flamenguista, chegou a jogar nas categorias de base do Fluminense chegou a jogar com o goleiro Fernando Henrique. “Tive que deixar o futebol quando o centro de treinamento foi transferido para Xerém. Eu morava no Flamengo na época, então era fácil ir até as Laranjeiras treinar. Depois que foi para Xerém, complicou”. Júlio gosta do que faz, mas sonha trabalhar com esportes. “Tenho vontade de ser professor de educação física, ou mesmo comentarista esportivo. Só que me falta tempo e dinheiro. Não tenho como pagar uma particular e a pública funciona no momento que estou trabalhando.” Disse. Apesar de oficialmente trabalhar no trailer de Margarida, é no de Soraia que ele é mais visto.

Em 1991, Soraia chegava ao campus da Praia Vermelha. Até então, Soraia era estudante, porém no ano em que ia prestar vestibular, seu pai morreu de câncer no estômago. “Aquilo desestabilizou minha família. Meus pais haviam perdido um filho aos 23 anos, vítima de acidente de trânsito e com a morte do meu pai, minha mãe ficou muito abalada.” Sem ter quem a sustentasse, Soraia largou os estudos e, graças a uma indicação de uma amiga, conseguiu emprego no campus. “No começo foi muito complicado. Eu só sabia fazer ovo mexido. Os alunos me pediam um X-Egg e eu perguntava se poderia fazer ovo mexido para eles. Penei muito, riram muito de mim, mas não desisti.” Lembra Soraia. Com o passar do tempo, Soraia foi se adaptando e conquistando a amizade dos alunos. “Tinha um grupo, de alunos de Serviço Social, Economia e Psicologia que sempre estava aqui. No meu aniversário eles trouxeram um bolo e cantaram parabéns, já saímos muitas vezes juntos. Teve um deles, o Lincoln, que chegou para mim e disse ‘Soraia, vou ter que sair daqui, senão não consigo terminar minha faculdade’.” Lembra com um sorriso. Trabalhando no Sujinho, Soraia conheceu Júlio. Surgiu entre os dois uma amizade, que depois se transformou em namoro e desde 1995 estão casados.

Ao chegar, por volta das 8:00h, Margarida, Júlio e Soraia organizam seus traileres. Fazem as limpezas necessárias, colocam as bebidas para gelar e preparam o recheio do sanduíche natural, pré-preparado na noite anterior. Ainda pela manhã, os clientes não demoram a aparecer. "Eles costumam pedir suco de laranja, suco de mamão, abacaxi, misto quente." Diz Júlio. Ao longo do dia, os pedidos vão variando, sendo que o mais comum é o boina – pão que pode variar entre o sírio, integral ou de hambúrguer, chester, queijo minas, batata palha, alface, tomate e molho rosé – além dos diversos típos de hamburgueres vendidos ali. “Ás vezes alguém vem pedir para acrescentar ou tirar alguma coisa. Quando há possibilidade, a gente aumenta um pouco, mas não é sempre. Porque, você tá na hora do movimento e você já tem aquele padrão na cabeça e quando atende muita gente ao mesmo tempo, e você sai do padrão, acaba errando.” Completa.

Para muitos estudantes da Praia Vermelha, o fim da semana começava às quintas-feiras, quando acontecia o conhecido Samba do Sujinho. Alunos de diversos períodos e cursos se agrupavam na praça de alimentação e, abastecidos a cerveja, festejavam até altas horas da noite. A lei proibia a venda de cervejas no campus, a Sub-Prefeitura da Praia Vermelha a ignorava e todos celebravam o final da semana antecipado. Porém, no início de 2009, a Sub-Prefeitura intensificou a fiscalização e proibiu a venda de cerveja no campus. Os alunos, como forma de protesto, organizaram um samba no bar do DCE, samba este que terminou em quebra-quebra, causado pela discussão entre dois estudantes. Uma das consequências da briga foi a proibição definitiva da venda de bebidas alcoólicas no campus.

Os alunos não gostaram da medida, Seu Manuel menos ainda. “Isso me prejudicou muito. Houve uma confusão lá no DCE e acabaram proibindo cerveja aqui. E no (Campus do) Fundão não é proibido!.” Reclama. “Durante o dia nem tanto, mas a noite temos muito prejuízo. Sempre vendemos um tira-gosto, um sanduíche. Sem a cerveja, o pessoal sai da faculdade e vai para os bares de fora.” Completa. Tião reclama da diminuição da movimentação “Sinto muita falta dos alunos. Eles ficavam aqui brincando, conversando, tocando música e agora foram embora. Isso foi uma perda muito grande, até para os próprios alunos que ficavam aí confraternizando, num lugar seguro, com apenas alunos.” O trailer de Soraia e Júlio também foi prejudicado pela proibição da cerveja, porém numa escala menor. “Apesar de não podermos vender bebida alcoólica, quando os alunos faziam reuniões aqui no Sujinho, eles sempre bebiam lá no Seu Manuel e vinham comer aqui com a gente. Deve ter sido muito pior para quem já vendia cerveja, como o Seu Manuel e outras pessoas.” Diz Júlio, se referindo às reuniões de socialização que veteranos fazem com calouros, geralmente uma semana antes do início das aulas.

Apesar de menor, o movimento noturno do Sujinho ainda existe. O Restaurante do Seu Manuel troca os pratos feitos por sanduíches, incluindo hambúrgueres e misto-quentes, assim como o traileres de Júlio e Soraia. Margarida vai embora mais cedo, às 18:00h. Soraia e Júlio ficam no Sujinho até as 20:00h. “Depois de fecharmos, nós arrumamos as coisas, colocamos os refrigerantes para gelar para o dia seguinte e vamos para casa.” Disse Júlio. Apesar de ir embora, o trabalho do casal não termina. “Em casa a gente cozinha o frango e já deixa mais ou menos preparado para fazermos o sanduíche natural do dia seguinte.”

Quando Júlio e Soraia estão chegando em casa, por volta das 22:00h, os últimos clientes do Restaurante do Seu Manuel, geralmente estudantes que moram no abrigo do Campus do Fundão e trabalhadores do Shopping Rio Sul em fim de expediente, pedem os últimos sanduíches. Com o restaurante fechado, os funcionários lavam o chão e as máquinas, guardam os salgadinhos, além de já deixar alguns alimentos cortados e preparados para serem cozidos na manhã seguinte. Com tudo arrumado, a equipe tranca as portas, apaga as luzes e vai embora, para que, às 5:30h da manhã do dia seguinte, recomeçar todo o trabalho. Isso com exceção dos fins de semana, quando vão à praia tomar a cervejinha, que é de lei.

sábado, 27 de março de 2010

Fora do ninho, cada vez mais cedo.

Por Lucas C. Silva

Logo pela manhã, sua mãe vem te acordar. Ainda morrendo de sono, senta-se à mesa, onde um café da manhã está pronto. Na gaveta, roupas lavadas e passadas. Em muitos casos, ao chegar casa, sua cama está arrumada e seu prato de comida está te esperando, quente. Todo esse conforto é trocado por muitos jovens, inclusive antes de completarem a maioridade, pela vida de independente em repúblicas, casas de primos ou próprias mesmo. Estes é o caso de José Carlos e Bruna, pessoas de gerações diferentes que tem em comum o fato de terem deixado a cidade, e até mesmo o estado, dos pais em busca de um futuro melhor.

Em 1984, José Carlos da Silva, então com 19 anos, deixou a pequena cidade mineira de Carmo do Cajuru, localizada a 100 quilômetros a oeste de Belo Horizonte, indo para São Paulo. Em busca de um emprego melhor, o rapaz partiu para a maior cidade brasileira, assim como outros inúmeros jovens do interior do país.

Formado num curso profissionalizante de eletrônica e com a experiência de alguns anos consertando televisões e rádios, José Carlos partiu para São Paulo nos últimos meses de 1984. “Decidi ir para São Paulo por ter as melhores oportunidades de emprego.” Lembraria quase 36 anos depois. Na capital paulista, José Carlos procurou trabalho por dois meses, período este que ficou hospedado na casa de seu irmão mais velho, Vander.

Após o período de entrevistas, o rapaz voltou à casa dos pais no interior de Minas Gerais. Então, no início de 1985, recebeu a notícia de que conseguira o emprego de técnico de eletrônica no setor de telecomunicações da Varig, na época uma das maiores empresas aéreas do mundo. Com um bom emprego garantido, José Carlos, prestes a completar 20 anos, deixou definitivamente a casa dos pais.

Apesar do bom salário, que lhe permitia alugar um apartamento na região de Santana, Zona Norte de São Paulo, José Carlos encarou alguns desafios. Sem saber cozinhar direito, comia sempre fora, porém lavava e passava a própria roupa. Um dos aspectos que mais estranhou na capital foi o preconceito dos paulistas contra as pessoas que vinham de fora. “Os paulistas sempre nos tratavam muito mal.” Reclama ainda hoje, sete anos após ter deixado a cidade. “Uma das coisas que eu mais ouvia era que nós, migrantes, tomávamos o emprego deles.” Completa.

Apesar do preconceito, o maior problema que José Carlos enfrentava era justamente a saudade de casa. “Eu sentia muita falta da família, da minha casa antiga e de Cajuru.” Quando a saudade apertava, José Carlos resistia até o fim de semana e viajava 520 quilômetros, para visitar a cidade natal. Mas não foi apenas os pais e amigos que ele deixou em Carmo do Cajuru. Sua namorada, Ângela, morava na cidade, porém a saudade durou pouco.

Seis meses após sair de Minas Gerais, José Carlos casou-se com Ângela. “Depois que ela foi para São Paulo, tudo ficou mais fácil. Agora eu tinha uma companhia.” Disse. Casada com ele até hoje, Ângela se lembra da época: “Fui para São Paulo aos 22 anos. No início foi difícil, porque nunca tinha morado longe dos meus pais. Depois me acostumei e tudo ficou muito melhor.”

Estabelecida em São Paulo, a família cresceu. Em 1989 nasceu o primeiro filho do casal, Lucas e 2 anos depois, nasceu o caçula, Felipe. Ambos mineiros, porém criados em São Paulo, onde a família viveu até 2003, quando teve de se mudar para o Rio de Janeiro. Hoje, relembrando sua luta, José Carlos não se arrepende do que fez. “Se eu conseguisse um bom emprego, faria hoje tudo de novo.” e complementa “não acho que as coisas tenham mudado dos anos 80 até hoje. O jovem que sai de casa hoje vai enfrentar as mesmas dificuldades que enfrentei quando saí.”

Bruna Acácio deixou a casa dos pais ainda mais cedo. Aos 15 anos foi admitida no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa, Coluni, sendo obrigada a viver longe dos pais em Conselheiro Lafaiete, a 96 quilômetros ao sul de Belo Horizonte. Ao se formar no Coluni, um novo desafio. Admitida em quatro universidades federais, a estudante de Comunicação Social percebeu que sua vida como independente continuaria durando por mais algum tempo. Talvez sendo preciso se mudar para outro estado.

Antes mesmo de ir a Viçosa, cidade mineira localizada a 230 quilômetros a sudeste de Belo Horizonte, Bruna já havia morado um tempo longe dos pais. Quando cursava a sétima série, foi morar com os pais na casa de sua avó em Piranga, entre Conselheiro Lafaiete e Viçosa. “Meu pai é nômade, parece que gosta de se mudar.” Diz a garota que ainda viveu um tempo com os pais em Alfenas. Os pais nômades voltaram à Lafaiete e a garota ficou morando na casa da avó até completar o ano letivo.

Bruna, aos 15 anos, viajou com o pai a Viçosa para fazer as provas de admissão no Coluni. “Escolhi o Coluni por ser uma escola referência na região.” Disse a garota. Mais do que regional, o colégio é referência nacional, visto que nos últimos anos esteve sempre entre os 10 melhores colégios do país, de acordo com avaliações do Ministério da Educação. Admitida, surgiu o primeiro desafio para Bruna, encontrar um local para ficar.

“Foi meio complicado. Não pela disponibilidade, mas porque queria um lugar bacana, com pessoas confiáveis e por um bom preço.” Lembra. Depois de alguma procura, Bruna encontrou um local que atendia às suas expectativas. Na verdade, ela que foi encontrada: “No dia da inscrição no Coluni, a mãe da Júlia e da Ana, que dividiram apartamento comigo nos três anos do ensino médio, me perguntou se eu queria dividir um quarto.”

Bruna não as conhecia pessoalmente, apenas havia falado com uma das garotas via internet. Chegou no quarto de uma república próxima ao Coluni e, após conversar rapidamente com elas, o negócio foi fechado. “Foi um tiro no escuro. E acho que nunca mais acertarei outro tiro tão bem quanto dessa vez.” Com todos satisfeitos, especialmente Carlos, o pai de Bruna que preferia que sua filha tivesse como companheiras de quarto duas meninas de família a universitários desconhecidos, a garota arrumou suas malas e partiu para Viçosa.

O período em que Bruna dividiu o apartamento com Júlia e Ana foi, nas palavras da garota, uma época de grande crescimento pessoal. Pela primeira vez na vida, Bruna tomava as próprias decisões, além de ter aprendido a ser mais solidária com os amigos: “como a família está longe, precisamos de algum apoio, algum carinho e até de alguém para brigar, afinal cedo ou tarde, despimos nossas máscaras.” Neste período, assim como no caso de José Carlos, os pais de Bruna raramente iam visitá-la em Viçosa. Ela, pelo contrário, voltava à Conselheiro Lafaiete periodicamente, primeiro a cada duas semanas, depois a cada três. “As vezes me pergunto se fiz certo ao sair de casa tão cedo. Será que não aproveitei satisfatoriamente o dia-a-dia com minha família? É claro que sempre teremos uma relação e um vínculo, entretanto a rotina familiar é outra coisa.” Comenta Bruna, cujos irmãos mais velhos, Carla e Bruno, vivem em Ouro Preto e Quissamã, Região dos Lagos no Rio de Janeiro, respectivamente.

Chegar em Viçosa foi complicado para Bruna: “no início é muito difícil se adaptar à saudade de casa, dos velhos amigos e namorado, mas aos poucos você estabelece vínculos na nova cidade e as coisas ficam mais fáceis.” Adaptada à cidade e com grandes amigos feitos, chegou o terceiro ano do Ensino Médio e com ele todos os desafios do vestibular. A garota fez a prova para quatro universidades federais: Juiz de Fora, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Viçosa e foi aprovada em todas, no curso de Comunicação Social. Em dúvida entre as federais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que possuíam os melhores cursos, Bruna sabia que não voltaria à casa dos pais, porém teria de deixar Viçosa. “Ao mesmo tempo que queria que toda aquela relação construída ao longo dos três anos no Coluni continuasse, tinha plena noção de que a vida tinha de continuar e meu futuro não estava em Viçosa.”

Mais adaptada à vida longe da casa dos pais, surgiu outro desafio à garota. Dissuadida de estudar em Viçosa ou Juiz de Fora, a garota teve de se decidir entre Belo Horizonte e o Rio de Janeiro. “A UFRJ tem uma cotação melhor que a UFMG em provas como o Enade, mas em Belo Horizonte eu estaria mais perto da minha família e sairia mais barato.” Disse. Entre o período de aprovação nos vestibulares e o início das aulas, foi um período de angústia e muita dúvida para a garota.

Apesar do curso mais bem conceituado, o Rio de Janeiro apresentava algumas dificuldades. Além da distância maior da família, Bruna não conseguia encontrar um apartamento “Os que estavam disponíveis, só o aluguel ia sair a 600 reais. Eu teria de viver às custas do aperto dos meus pais, sem poder fazer um curso de línguas e indo ao cinema com os amigos a cada dois meses.” Em Belo Horizonte, ao contrário, suas primas Aline e Patrícia moravam nas proximidades da universidade e lhe ofereciam uma vaga. “Depois refleti melhor. Como assim eu estava dispensando uma universidade maravilhosa (referindo-se UFMG) do lado de casa, e a oportunidade de morar com minha prima que é minha melhor amiga de infância? Além disso, pensei ‘estou assistindo a muitas novelas de Manuel Carlos, pensando que terei uma vida de Leblon’.” brinca.

Há um pouco mais de um ano morando com as primas, Bruna, hoje com 20 anos, diz estar gostando muito de dividir o apartamento com elas, até porque as três se relacionam bem. “As vantagens de se morar com as primas é que elas te conhecem. As desvantagens é que elas te conhecem.” Brinca. “Mas agora terei um novo desafio: encontrar uma colega para dividir um apartamento.” Sua prima, Patrícia, está de casamento marcado e terá de ir embora, deixando Bruna sozinha. Numa inversão de papéis, a garota não está procurando por algum lugar para ficar, mas por alguém que divida apartamento.

Ao contrário de José Carlos, que se dedicava totalmente a um emprego que lhe permitia pagar um aluguel próprio, Bruna possui um horário irregular na UFMG, cursando matérias nos períodos da manhã, tarde e noite, sendo obrigada a depender financeiramente dos pais. Por isso, terá de dividir o apartamento com alguém. “Amo o lugar que moro, amo morar com minhas primas e tenho ótimos vizinhos e pago aluguel barato. Não consigo nem cogitar atualmente ter um apartamento próprio.” Assim, vencendo um desafio após o outro, Bruna vai avançando em sua jornada, longe da casa dos pais.